martes, 19 de enero de 2010

O teu sorriso

O teu sorriso é um paralelo atirado à montra de inutilidades em que se tornou o mundo.
uma cuspidela de luz na cara do diabo,
clareira aberta numa floresta de cinzento anonimato

o apelo à absoluta necessidade de renascer poeta
a perfeita ilustração da palavra delicadeza
a cidade onde me perco alegremente...
minha Paris, minha Roma, minha Veneza.

lunes, 18 de enero de 2010

Predador camuflado

Acendes o cigarro. Pedes um café. Róis as unhas.
Dás a primeira passa: inchas a boca e expeles o fumo desfiando um pensamento qualquer.
Levas o café à boca e voltas às unhas. O olhar fixa-se num qualquer vazio.

A mão na boca. A perna inquieta.

Dir-se-ia que esperas.

Manténs o olhar fixo no nada até turvares a vista.
Desapareces de dentro de ti por um brevíssimo momento.
formas uma natureza morta composta pelo cinzeiro, um cigarro, umas mãos roídas até ao sabugo e o teu corpo vazio. (isto para quem observa de fora)

A ansiedade na ponta dos teus dedos inchados e sangrentos
A ansiedade na chaminé fumarenta em que transformas-te a tua boca
No Parkinson que te ataca a perna direita
No olhar ruminante

A ansiedade que não sabes de onde vem.
Predador que se aproxima passo a passo
na savana dos teus pensamentos.

Menino gordinho e insatisfeito

Ah meu ego!
lobo esfomeado e cego
nada te saceia!nada te saceia!!
sempre em busca de mais uma palavrinha de afecto!
Afinal que buscas em concreto?

Olha! olha!, que bem rima o menino
que pródigo, que abençoado!
Que raro e precioso especimen da raça humana!
Quanto suou o Universo para te parir!
Mas cá estás tu. Valeu a pena o esforço da mãe dolorida.

Aí está o menino...
gordinho e insatisfeito.

miércoles, 13 de enero de 2010

Dentro de nós

Dentro de mim, de ti e de nós
existe um grande salão de baile.

Eu imagino-o requintado e elegante
talvez dourado espelhado e brilhante
onde um mar de gente dança com infinita elegancia
numa troca de pares em fluxo contínuo.

cada uma dessas pessoas é um sentimento teu,
assim,
por vezes a angústia dança com a alegria
e esta troca de par com o desespero,
o desespero com a euforia
e a euforia com o desejo,
e o desejo com a frustração...

e a festa parece só acabar
quando completo o infinito bailado das possibilidades.

Quando

...quando a mulher bonita
põe o cabelo todo para um lado do pescoço

quando num dia inútil de calor
me levanto da cama sem esforço

quando um dia de sol
rasga um rigoroso inverno


quando a mulher bonita
deixa à vista um ombro e o esterno

quando a visão dá lugar ao tacto

quando a tua presença substitui o teu retrato

quando o alcool ou a alegria me poem a dançar
e a vida se esquece de pensar...

Peço pouco

Peço pouco...

peço a ponta dos teus dedos,
a ponta dos lábios dos teus dedos,
o sopro da ponta dos lábios dos teus dedos,
o sussurro do sopro da ponta dos lábios dos teus dedos, passeando-se livremente pelo meu corpo.

Deus e eu

Deus é grande. Eu sou pequeno.
Deus é gordo. Eu sou magro.
Deus é velho (muito velho). Eu sou um jovem.
Deus está em todo lado ao mesmo tempo. Eu quero estar em quase todo lado ao mesmo tempo.
Deus construiu pelo menos um Universo. Eu construi uma casa na árvore e um pequeno mundo.

Entre mim e Deus um abismo de diferença e os opostos só se atraem a uma certa distância (como dois ímanes).

Deus pode ter-me criado, mas eu não o criei a Ele.

(Se Deus fez tudo e tudo surge da sua vontade, então este poema é em co-autoria.)

martes, 12 de enero de 2010

Metamorfose

Lentamente,
vou tecendo com o fio dos dias que passam
o casúlo onde adormecerei
para só acordar
quando as asas me rasgarem as costas.

Aí, não precisarei gritar ao mundo minha metamorfose em poeta.

...o casúlo vazio será pista suficiente...

(sínal de que vivi a eternidade num só dia)

Ilha grega

Doem-me os olhos de azul
nesta embrulhada de céu e mar
no meio destes seios, no meio desta luz.

a cada movimento do meu olhar uma nova aguarela.

tudo é calmo...
tudo é...um sussurro de brancos e azuis aos cinco sentidos.

Instrumento de sopro

Deixei-me estar...
até desaparecer,
até que tudo em mim fosse ôco,
transformei todo meu corpo
num instrumento de sopro
e ofereci-o ao vento.

Numa estação

Oblíquas luzes de ouro e sombras de gigantes
atravessadas por este fluxo de gente que eu observo sentado
e o meu caderno branco é o campo de flores
onde me deito a namorar o mundo

Pequeno conto de amor

...esperei anos sentado neste café...
até que por fim chegaste.
Agora só o teu amor pode pagar a dívida destes anos e anos de café amargo e paciente.

Percebi logo que eras tu porque trazias, agarrado ao peito, o livro de poemas que escrevi a pensar em ti.

Mordes-te o anzol meu amor.
Não sabes ainda, mas esse teu tesouro é a nossa secreta aliança.

Sentas-te, abres o livro, lês uma página
e paras para pensar em mim
Sem saberes que sou esse tonto sorridente
que está mesmo à tua frente.